segunda-feira, 6 de novembro de 2006

1DOWN: A CENSURA AO SERVIÇO DA COMUNIDADE

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UPDATE: uma explicação oficial do que se passou com a crítica abolida do jornalista Matt Peckham a Neverwinter Nights 2, por parte do editor da Games For Windows - trata-se de uma nova revista oficial PC, ex-Computer Gaming World, cuja redacção e conteúdos estão agregadas ao 1UP. Na minha opinião, com estas desculpas todos os responsáveis ainda saem pior deste filme. E deixam bem claro que, quando a necessidade de ter uma crítica publicada no dia do lançamento do jogo se sobrepõe à exigência de qualidade mínima, a sede de publicação dos meios online muitas vezes é incompatível com o rigor profissional e jornalístico.


O site de jogos 1UP.com abriu um precedente há alguns dias, retirando do ar uma crítica do jornalista Matt Peckham ao jogo Neverwinter Nights 2.

Eis a justificação, segundo comunicado oficial do site:

"Upon further review of the author's text, listening to the feedback from our community and others, and after internal discussion between the 1UP and GFW editors, we have determined that the text of the review did not live up to our editorial standards. We respect the opinions of Mr. Peckham and all of our writers, but we felt that this particular review of Neverwinter Nights 2 did a disservice to fans of the RPG genre.
We have commissioned a new review by a different author to be published next week on 1UP.com, and in the January issue of Games For Windows.
We truly regret our error, and apologize to you, our readers".
Diga-se que a página onde se podia ler este pedido de desculpas ostentava, à data da minha leitura do mesmo, um vistoso banner promocional de uma parceria Alienware (marca de periféricos para PC) e Neverwinter Nights 2…

O texto, que classificava a sequela de um dos melhores jogos de role-play de sempre com um medíocre 5 em 10, incendiou os ânimos da comunidade de fãs do jogo porque o autor terá criticado o género do jogo e não a obra propriamente dita. Tirem os leitores do UN as suas próprias conclusões, lendo o texto que ainda pode ser encontrado no fórum oficial da Bioware (detentora dos direito do jogo), aqui.
Independentemente da opinião que se tenha sobre o texto do senhor Matt Peckham ou sobre o jogo Neverwinter Nights 2, quem sai realmente mal desta história toda é o site 1UP. Porque posso depreender que:

1 – O 1UP tem medo de publicar opiniões que provoquem a ira dos fãs, ou seja, vai ao encontro da ideia de algumas redacções de que a opinião publicada deve ser o mais próxima possível das expectativas e opiniões pré-concebidas dos leitores. Neste caso, a comunidade esperava – exigia – uma boa classificação;
2 – A redacção do 1UP compromete a sua própria integridade já que infere no seu pedido de desculpas que o jogo terá uma nota melhor e não explica de que forma o texto não está à altura dos pergaminhos do site. No entanto, o texto foi publicado, o que conduz a uma terceira conclusão:
3 – A de que mais uma vez fica demonstrado que no papel a responsabilidade da coisa publicada é maior: em papel, texto publicado não pode ser apagado. Se a análise do senhor Matt Peckham foi publicada em primeira instância, é porque a) os seus editores condenscenderam com a sua perspectiva e agora voltaram atrás, mostrando uma clara falta de coragem e solidariedade, ou b) não supervisionam a publicação de textos, deixando assim clara a ideia de que não cumprem o dever da liderança editorial e que em caso de erro, os textos são simplesmente apagados e substituídos – ou seja, há uma desresponsabilização, uma inimputabilidade do erro e, em última análise, uma falta de dignificação do rigor jornalístico;
4 – Do ponto de vista da valorização do exercício crítico, fica reforçada a ideia de que uma crítica pode ser reduzida a uma qualificação maniqueísta e simplista de “verdadeira” ou “falsa”; que deve ser “objectiva”; e que acima de tudo tem uma utilidade orientada para o consumo, ou seja, deve ser construída com base na sugestão de compra, subtraindo-lhe a substância crítica e o ponto de vista único que deve existir em cada texto, assim como a capacidade de promover a diferença de opiniões como salutar e até desejável e enriquecedora. Depois de aberto este precedente, o 1UP fica fragilizado e susceptível às críticas dos leitores e das editoras, que podem exigir de novo a renúncia a opiniões vistas como um “mau serviço aos fãs”.
5 – Desta forma, caminha-se em direcção à normalização em vez de se promover a diferenciação. Isto leva a que os sites sejam cada vez menos vistos como identidades únicas e apenas como parte de uma rede de classificações que pode ser resumida num Metacritic, RottenTomatoes ou GameRankings. Em último caso, esta atitude pode levar a um desinteresse por parte dos leitores, que deixarão de ler blogs e sites e se concentrarão no simples cálculo aritmético de notas promovido por sites como os referidos.

Ao longo da minha história enquanto jornalista de videojogos, e especialmente quando tive responsabilidades editoriais, já fui confrontado com a obrigação de retirar textos de colaboradores devido a plágio (no caso online) ou de impedir a publicação de artigos por manifesta falta de qualidade na escrita ou na argumentação (na imprensa), mas nunca, que me lembre, foi motivo de censura uma opinião qualitativa diferente.

Infelizmente, tal como existem maus jornalistas, existem maus leitores. No exemplo que conheço melhor, o do mercado de imprensa especializada em videojogos, isso é evidente quando:

- os leitores dão mais valor às promoções que aos conteúdos;
- preferem que as análises publicadas contenham opiniões iguais às suas ou até que não contenham qualquer opinião, resumindo-se aos “factos” (contrariando a própria natureza da “crítica” e julgando que um videojogo pode resumir-se a um conjunto de factos enunciáveis - e dessa forma empobrecendo-o);
- valorizam as análises que sejam publicadas rapidamente em vez de favorecerem a qualidade, a maturidade e a profundidade dos textos. Daí o cada vez maior interesse pelas análises online publicadas no próprio dia do lançamento dos jogos, muitas vezes redigidas de forma irresponsável. Daí também o cada vez maior número, lá fora como em Portugal, de análises feitas com base em versões que por vezes chegam a ter 20 por cento do trabalho por terminar, apenas para não deixar escapar a possibilidade de ter os sagrados “exclusivos”;
- não se importam com a promiscuidade entre jornalistas de jogos e aqueles que os produzem e vendem, desde que os três pontos anteriores sejam satisfeitos;

Toda esta conversa lembra-me a teoria cada vez mais popular entre produtoras e editoras de videojogos, assim como para o exército de relações públicas e marketeers associados (dos quais fazem parte os dirigentes de algumas instituições como a AIAS, a ESA e a IGDA), de que as revistas especializadas têm como obrigação a promoção do mercado de videojogos, para que este cresça e todos saiam beneficiados – por "todos" entenda-se aqueles que vendem os videojogos e aqueles que vendem revistas que falam de videojogos. Essa promoção, defendem, assenta sobretudo na exaltação das virtudes de cada videojogo e no assobiar para o ar quando existem falhas a apontar. Normalmente, argumentam, essas falhas estão mais nos olhos de um jornalista que não compreende o “target” da obra em causa do que na incapacidade dos seus autores - cujo esforço, coitadinhos, deve sempre ser enaltecido, mesmo que o resultado não o mereça. E estes jornalistas, é evidente, prestam um mau serviço ao mercado. Claro que os jogadores e o direito que têm a uma informação rigorosa e a uma opinião isenta e livre não fazem parte desta fórmula mágica de massificação dos videojogos.

1UP | NEVERWINTER NIGHTS 2