sexta-feira, 28 de julho de 2006

PIRATARIA VAI MATAR O PC

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Já há algum tempo que ando a alertar para o facto de que o pior inimigo do PC no contexto de um mercado de plataformas de jogos extremamente competitivo é a pirataria. Os resultados estão à vista: os lançamentos no PC têm diminuído ao longo dos últimos anos e são cada vez mais os casos de jogos de consolas adaptados à martelada para o computador (ou seja, a partir de um denominador tecnológico inferior à plataforma para onde o jogo é adaptado), quando antes se passava o contrário.

Já vários criadores de jogos alertaram para o facto. Não se trata apenas de gente zangada por não ganhar tanto dinheiro como desejariam (e se fosse, não seria crime, visto que esse dinheiro lhes pertence). É o caso de Michael Russell, director de Controlo de Qualidade da Ritual Entertainment, que recentemente lançou SiN Episodes: Emergence, um jogo de acção que tem o mérito de apostar em duas novas e importantes tendências no mercado PC: a distribuição digital e por episódios.

Michael teve um desabafo no seu blog porque não só o seu jogo é pirateado mas, pior, os utilizadores que o pirateiam têm a audácia de se queixarem à própria Ritual por problemas na instalação do jogo.

Michael explica-se numa entrevista aqui.
E depois aprofunda a questão no seu blog, aqui.

Aproveito para reproduzir um editorial relativamente controverso que escrevi na Mega Score em Setembro de 2005 (desactualizado nalguns pontos, especialmente no que se refere à exclusividade de alguns títulos referidos).

Assim se ameaça a força do PC

É indiscutível a presente vitalidade do PC como máquina de jogos. Já o referimos, e insistimos: o computador pessoal foi o grande vencedor de uma E3 em que as atenções estiveram quase inteiramente viradas para uma nova geração de consolas – a bem ver mais presente em alma do que em corpo. Para o PC foram anunciados, em primeira-mão, a maioria dos videojogos de qualidade mais aguardados: Spore, Civilization 4, F.E.A.R., Hellgate: London, Unreal Tournament 2007, Prey, Age Of Empires 3, Heroes Of Might & Magic 5 ou Company Of Heroes. À data de fecho desta edição da Mega Score, todos estes títulos estão reservados exclusivamente para o PC. E a exclusividade é, precisamente, o ponto essencial deste texto.

Como se sabe, comparativamente às consolas o PC possui uma democracia tecnológica e um dinamismo evolutivo que o manteve, ao longo dos últimos 15 anos (quando o PC passou a ser uma máquina multimédia e a conquistar terreno aos então preferidos Atari ST ou Commodore Amiga, por exemplo), como líder na produção de jogos. Porque era e ainda é a única plataforma capaz de oferecer aos jogadores uma série de potencialidades, quer pela sua capacidade online, de processamento ou, simplesmente, por oferecer as mais versáteis formas de interacção com jogos: um rato e um teclado.

Este cenário pode estar à beira de mudar. A presente geração de consolas já marcou um recrudescimento do peso do PC no mercado de jogos, pelo menos a nível de vendas. A próxima geração pode ser aquela que dará a estocada final no PC como forma preferida de entretenimento.

As consolas têm evoluído inexoravelmente no sentido de se tornarem supercomputadores multimédia, fáceis de usar e apelativos para o mercado de massas. Sony, Microsoft e Nokia já antecipam nos seus discursos um futuro próximo em que os consumidores terão acesso a supercomputadores portáteis ou de sala de estar, por um preço muito inferior a um PC topo de gama. Para além de potentíssimas máquinas de jogos, estas consolas serão centros multimédia com um leque alargado de oferta a nível de conectividade com todo o tipo de equipamentos, de leitura de filmes e música, e das importantes funcionalidades online, envolvendo jogos para múltiplos jogadores, mas também comunicação e downloads de conteúdos, gratuitos ou pagos. As novas consolas querem oferecer o melhor que o PC tem, rejeitando a maioria dos seus inconvenientes.

A próxima geração de consolas e a escalada tecnológica que representam trazem igualmente um dado essencial: a subida galopante dos custos de produção dos videojogos acelerará ainda mais o desenvolvimento de títulos com lançamentos alargados a todas as plataformas. E aí as privilegiadas serão aquelas que mais garantias de rentabilidade oferecerem aos criadores. As consolas são sistemas mais sólidos, horizontais (com tecnologia comum a todos os seus utilizadores), tendencialmente mais massificados e, apesar de tudo, menos massacrados pela pirataria, um flagelo que, a médio e longo prazo, poderá ter consequências desastrosas para aqueles que jogam no PC.

Por outro lado, consolas como a X360 e sistemas como o XNA facilitarão ainda mais a simples adaptação de jogos para PC, enquanto que os jogos de computador tenderão a ser cada vez menos exclusivos – não tardará muito que as consolas encontrem soluções para produzirem, com resultados satisfatórios, jogos tradicionalmente associados ao PC: veja-se o caso dos First Person Shooters na DS e na Xbox. E se as consolas têm empresas proprietárias, como a Sony, Microsoft e Nintendo, que se preocupam em gerar trunfos exclusivos e em incentivar a inovação e a competitividade nos seus produtos, o PC é uma “terra de ninguém” disputada por empresas e entidades com interesses por vezes contraditórios.

Claro que a fabulosa capacidade adaptativa do PC, seja a nível tecnológico (será sempre o estado-da-arte) ou da sua permanente disponibilidade para oferecer algo capaz de mudar radicalmente a vida das pessoas (veja-se o caso da Internet) ajudará a evitar um cenário tão pessimista. E será sempre a única máquina de trabalho. Mas é bem possível que, a prazo, o PC se torne essencialmente o lar de programadores dedicados, criadores de jogos indie, viciados em tecnologia e jogadores de MMOGs. Curiosamente, e apesar de toda a sofisticação que hoje oferece, como máquina de jogos o PC pode regredir ao estatuto de nicho que apresentava há 20 anos. O que representaria o maior manancial de poder tecnológico desperdiçado de todo o planeta dos videojogos.”

[Texto editado a partir do original publicado na revista Mega Score, edição 120]

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