terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

JAPÃO


A propósito de um artigo que o Gaming Steve publicou sobre os motivos que explicam o falhanço dos jogos ocidentais no difícil mercado nipónico (e onde se revela que por aquelas bandas a Nintendo foi líder de mercado de software em 2005), apeteceu-me ressuscitar um editorial que escrevi há uns meses para a Mega Score após uma visita a Tóquio, para entrevistar o autor de Dead Or Alive e Ninja Gaiden, e patrão da Team Ninja, Tomonobu Itagaki.

“A recente visita da Mega Score a Tóquio, para apreciar as novidades do catálogo Tecmo permitiu ter um contacto directo com a distante e rica cultura de um país fundamental para a História dos Videojogos. No Japão, recorde-se, nasceram alguns dos videojogos mais importantes de todos os tempos – de Mario a Sonic, de Zelda a Final Fantasy, de Pac-Man a Pokémon, de Gran Turismo a Metal Gear Solid. Ali nasceram também alguns dos mais criativos e influentes designers – Shigeru Miyamoto, Hideo Kojima, Gumpei Yokoi, Hironobu Sakaguchi, Yu Suzuki, entre muitos outros – e editoras de videojogos – Namco, Tecmo, Konami, Capcom, Square, Sega, Nintendo, Sony e por aí fora. Ali, enfim, é o berço de quase todas as consolas importantes: NES, Mega Drive, GameBoy, Nintendo 64, PlayStation…No nosso imaginário, referir Japão e videojogos na mesma frase tornou-se quase uma redundância. Embora os videojogos tenham nascido da vontade de inovação e novidade tipicamente norte-americanas, sem o Japão, os videojogos não fazem sentido.

A cultura nipónica, consubstanciada não só os videojogos, mas também no Animé, na Manga, no cinema, nos automóveis, na electrónica em geral e noutros formatos e produtos, invadiu o imaginário e o quotidiano ocidental mas, curiosamente, escassos são os fenómenos de sucesso ocidentais que conseguiram penetrar naquelas ilhas do Extremo Oriente. Porquê? Uma semana em Tóquio permitiu vislumbrar alguns dos fossos que separam os dois mundos.

O Japão, é um lugar-comum dizê-lo, é um lugar de contrastes, dividido entre um velho mundo de costumes e de valores ligados à família e ao trabalho; e um novo Japão futurista, associado à inovação tecnológica. Entre um e outro estiveram uma Guerra no Pacífico e duas bombas atómicas que mudaram a forma daquele país se relacionar com a existência, com o corpo e com a tecnologia. Pareceu-me bem real a ideia de um povo que se preocupa obsessivamente com a renovação, consciente de que tudo na vida é efémero, mas que ao mesmo tempo procura o tempo para a contemplação e para a defesa dos valores tradicionais. De um país em que o indivíduo se submete à importância da vida e do comportamento em grupo (pode ser a família como, o mais certo, ser a empresa ou o país). E a defesa da identidade do grupo pressupõe que se procure activamente torná-lo um corpo dinâmico, em permanente mutação e crescimento.

Essa protecção de uma identidade própria muito forte, associada ao desejo quase expansionista de romper as barreiras da insularidade, pode ser uma explicação para o facto de hoje o Japão estar presente em todo o mundo, e ter vontade de estar em todo o lado, mas tender a resistir fortemente contra a entrada de influências estrangeiras – embora os sinais de fascínio pela cultura ocidental e a vontade de a compreender estejam bem presentes. Tomonobu Itagaki, autor de jogos como Dead Or Alive e Ninja Gaiden é um exemplo de um japonês que é motivado pela defesa do seu grupo – a Team Ninja e a Tecmo – e pela exportação para o Ocidente do talento nipónico. “A minha motivação é mostrar ao mundo do que o Japão é capaz”.

Outra explicação para perceber porque é que a cultura do Ocidente dificilmente penetra o mainstream nipónico é a incapacidade ou falta de vontade dos ocidentais criarem produtos culturais com valores universais. Os jogos japoneses apostam em personagens fortes, boas histórias, gráficos coloridos e com elevados valores de produção que representam mundos de fantasia (ou, caso sejam realistas, abordam temas universais como os automóveis e o desporto), controlos intuitivos e desafios aliciantes. São estes os princípios em que a Nintendo, a Sega e os restantes criadores nipónicos se baseiam, e que qualquer criança, adolescente ou adulto de qualquer parte do mundo compreende. Enquanto isso, por cá jogos como San Andreas e Halo 2 apelam somente aos membros da cultura onde foram criados, assim como uma Xbox é “demasiado americana” para ter sucesso no Japão.

Enquanto não formos capazes de criar jogos que superem os valores ocidentais da competição e da violência, do “mais, maior, mais rápido”, enquanto não percebermos que há valores para além dos nossos e que é adaptando-nos e compreendendo os outros que os conseguimos seduzir, a relação entre o Japão e o Ocidente tenderá ser sempre num sentido, pelo menos nos videojogos. Por lá, vamos sempre sentir-nos alienígenas.”.

GAMING STEVE

[Texto editado a partir do original publicado na revista Mega Score, edição 114]